Site Meter CASA DAS IDEIAS: fevereiro 2009

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

DESFILE DO BEIJAMIM NO ESCURO


MUITA ALEGRIA E PARTICIPAÇÃO. NA FOTO, PINHEIRO, SEU TAMBORIM E FOLIÕES.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

"MÃOS AO ATO" de Carlos Pinheiro

PARTE I
Ao atravessar a rua escura, caminho para sua casa, Marly sente-se agarrada pelo braço e arremessada contra o muro da velha fábrica. Fora pega com tamanha rapidez que sequer conseguira gritar. Desnorteada ainda, escuta:
— Manda o dinheiro para cá, se não te arrebento! O relógio também!
O marginal dava tapas em sua cabeça enquanto falava. Marly, num sopro de voz, completamente apavorada, pedia que não lhe batesse, pois já tirava tudo o que pedia, não adiantou, a voz do assaltante era cortante:
— Se gritar vou te comer também, e abre a bolsa que eu quero ver.
A cabeça de Marly girava. Nada mais fazia sentido. A iminente possibilidade do estupro, alucinou-a grita o grito do desespero. A partir daquele momento, podia apanhar morrer, não faria a menor diferença. Com fúria de animal acuado, joga-se contra o ladrão desequilibrando-o, fazendo com que fosse apoiar-se no muro para não cair. Marly corre. Os dedos do marginal ainda tocam seu ombro, depois, a sua blusa, mas não o suficiente para detê-la, imagina-se livre, ganha velocidade, mas tropeça quando em sua derradeira tentativa o bandido estica-se num vôo e toca-lhe as pernas. Sente o corpo do bandido, embolar-se ao seu.
É estabelecido um diálogo de grunhidos, uma luta de sobrevivência. Um tiro é disparado. Os corpos ainda movimentam-se indiferentes ao estampido, até que vão desvanecendo-se pouco a pouco até pararem completamente.
Marly sente horror ao deparar-se com os olhos brilhantes do marginal. Tenta soltar-se, mas, é impedida pelo aperto forte e último estertor do bandido que balbucia alguma coisa e silencia. Marly permaneceu imóvel. Ao não sentir nos eternos segundos seguintes reação, empurrou-o com repugnância, mas, a mão do marginal permaneceu sobre a sua. Irritada empurrou-a com asco, amaldiçoando o destino que insistia em mante-lo colado a si.
Ainda segura o revólver que usara: um Rossi, calibre 32, prateado, que seu marido comprara e pedira que levasse para casa.
Chorava, tinha medo. Ninguém na rua. Só ela, e a atmosfera de morte e dor. Lentamente se levanta. Tem braços e pernas arranhados. Pega sua pulseira jogada perto do ralo, depôs vê, que seu relógio acabara ficando ao lado do assaltante. Aproximou-se cuidadosamente, e, num bote, agarra seu pertence. Pára, olha o corpo. Aquilo lhe parecia irreal, talvez um pesadelo que seria rompido com um esfregar de olhos, tentou, mas o cadáver continuava ali. Descontrolada, passa a bater no corpo inerte.
— Filho da puta! Nunca mais vai assaltar ninguém!
Sentou-se ao lado do cadáver e começa a chorar. Matara. Tinha clareza dos motivos, mas isso não bastava. Precisava de mais explicações. Negava-se a ser protagonista da violência que tanto combatia.
De repente, sentiu suas forças esvaírem-se. Quando voltou a si, não sabia quanto tempo se passara. Escutou um limpar de garganta. Arrepiou-se quando viu o assaltante sentado a seu lado. O fato de ter um buraco no meio do peito estranhamente acalmou Marly.
— Qual é? Está arrependida é? Vai dizer que está com drama de consciência? — Pô, só queria levar uma mixaria tua... Precisava me matar? Aquele monte de gritos, tapa na tua cara, dizer que ia te comer, era só pra assustar. Sabe como é que é, né? Mas aí: Tu deu mole. Isso é hora de tu andar aqui, porra... Ta maluca?
— Fica quieto! Trabalho em dois lugares, pago luz, água, não tenho carro, não tem ônibus nessa cidade, não me divirto, tenho 35 anos, e quer saber de uma coisa, estou cansada de gente como você.
— Você esta nessa porque quer. Eu tinha 19 anos bem curtidos. — ironizou
— Vagabundo! Tinha que arrumar um batente, igual a todo mundo.
— Pra que? Tá sonhando? Acha que eu ia aturar patrão pra ganhar salário mínimo?
— E aí você morreu...
— Pó, nem lembra isso... Mas, aí! Gastava muito, tia... Roupa nova no final de semana, muito pó do bom. Minha preta... Ah! botava ela muito gata, tudo de marca; saia, sapato, calcinha, bolsa. Ia passear num carro novinho que ela escolhia, ia lá roubava e pronto! É muita onda que tiro tia....
— Tirava, filho da....
— Aí... xinga minha mãe, não! Deixa ela em paz, não mete ela nessa parada! Aquela é uma santa, morou? Segurou a onda depois que o velho se arrancou. Segurou a minha onda e a dos três moleques, dois irmãos meus e um, que ela pegou para criar, é mole. Sozinha, sabe lá o que é isso. Uma mulher de frente. Queria ver você no lugar dela. Aí... Nos tiroteios deitava em cima da gente... E tome bala varejando o barraco.
Mas aí; tu falou em trabalho, não falou? Agora estou lembrando. Já fui flanelinha, é guardava vaga de carro pra bacana, sabe qual é? Estava até legal. Aí pintou um cara mais velho, eu era moleque, me deu porrada, disse que o ponto era dele e me expulsou. Falei com a rapaziada, neguinho encheu o cara de azeitona. É, é lei do cão, mas aí sujou... Enquanto eu estava lá, o dinheiro ia todinho pra mão de minha mão. Depois comecei a fazer um ganho aqui, outro ali, descolava uma grana com os gays... Hoje a velha já tem até um barraco de tijolo. Esqueceu até aquele papo de jogador de futebol pra mim, que ela falava quando bebia. Pra ser jogador, tem que ser é cagão, igual Ronaldinho...
— Só queria moleza, né rapaz? Nem trabalho, nem estudo...
— Estudei um pouquinho. Gostava daqueles papos de história. A professora contava aquele monte de mentiras. É ou não é, fala aí?
— Que mentira o que, rapaz!
— Mas, já tinha fumado um tremendo cigarrão de maconha, e viajava... hehehe! Dá tal da matemática quero e distância, aquele monte de número. Tira, põe, multiplica, divide. Não entendia nada! Dava confusão demais na minha cabeça. Larguei né, aquilo não dá pra mim não.
— Você é mau, violento, perverso. Se estivesse armado tinha atirado em mim, disse que ia me comer. Por que não foi pegar de quem tem? Por que você não se vinga de quem faz isso contigo?
— Xi! Pêra aí! Só queria me dar bem, curtir a vida um pouquinho, morou?
— Você é uma vítima, estôrvo
— Vítima tua, pô!
— Minha não! Você já estava morto, igual a um monte de gente da sua idade que nunca vai ter perspectiva de nada.
— Ta parecendo papo de candidato. Aí; tu é política, é?
— Nada disso.
— Aí tia, eu não me acho vítima de nada. Cada um escolhe seu caminho. A senhora escolheu ser careta, chata, ficar velha, ter um monte de filho. Eu não. Corri rápido. Se desse certo, aí, tava numa boa. O problema é que tu me pegou. Mas quem é que vai dizer, que uma coroa igual a você esta com um “ferro” na bolsa?
Vem cá! Tu me chamou de vítima. Esse “vitima”, você quer dizer “ vítima do sistema”, né?
— É
— Xí, já escutei esse papo. Agora me responde? Trabalhando feito um burro em dois lugares, pegando fila para tudo, sem carro, chegando a essa hora.... Ô minha tia, vítima é tu, pô!
— Marly, olhava aquela figura que acabara de matar... Naquele pragmatismo de bandido, construíra uma lógica de existência. Um método de vida. Você faz assim, porque daqui a pouco morre, pronto. Lei própria, moral própria, sentido nenhum. Para aquele marginal, matar ou morrer era um fato simples, banal. A velha tragédia brasileira, de um lado quem tem dinheiro. Do outro, homens, mulheres e crianças que sobrevivem. E no meio, uma classe de assalariados, morrendo de medo de andar na rua, de entrar num ônibus, preferindo a ação violenta e rápida da polícia. Os governos assistem a tudo no papel de coveiros oficiais.
— A vida não foi difícil só para você não, rapaz
— Aí, ta na hora de você se mandar! Essa rua é o bicho, de repente passa outro vagabundo... Pior a polícia... Vai querer arrumar um dinheiro em cima de você... E depois ainda tem a turma dos direitos humanos
— E você acha que tem algum direito?
— Eu não, mas eles acham
— E você, levando tudo numa boa, né
— Não é assim não! Uma vez a polícia me pegou. Pô, apanhei muito. Me levaram para o juizado. Um tira começou a me olhar diferente, com a maior cara de tarado. Aí apareceu um pessoal desse. Comecei a gritar. O polícia tentou fechar a porta... aí é que eu gritei mesmo. Disseram que queriam ver as salas. Foi o que me salvou. Se fico, o tal tira ia me arrebentar na porrada, se eu não faço as “coisas”. Os caras dos direitos humanos me levaram para casa, falaram um tempão com minha velha. Senti a maior firmeza. Depois foram embora e eu também fui. Caí no mundo — Disse sorrindo o marginal – Outro dia, foi a maior furada. Estava fazendo um ganho lá em Copacabana, rendi um velho. Quando olho direito, era o cara que me salvou na delegacia...Poxa, fiquei mal, liberei ele na hora, acho que ele me reconheceu também. Grilo, meu amigo, queria porque queria dar porrada no cara. Quase matei meu parceiro; só falei pra ele: — Se bater no cara, vou te mandar pra vala. O moleque ficou macho, mas segurou a onda. Tinha a minha idade o Grilo, gostava de queimar um baseado, conhecia ele desde pequeno. O pai dele também roubava, mas morreu rápido. Também, foi se meter com a mulher do dono da boca... Caiu. Grilo viu tudo, era pequeno. Quando fez 15 anos, matou o cara, é mole?! Me disse, que era o seu presente de aniversário. Foi ele que me deu o primeiro revólver. Falou que com um ferro a gente podia se defender e arrumar um dinheiro. Eu escondia com o maior cuidado. À noite, ia pra Candelária, sabe onde é, não sabe? Neguinho ficava cheio de medo. Saia todo mundo batido. Pô, aí; Grilo também morreu a toa, a toa. O pessoal fez uma intera, comprou um caixão, até legal. Chorei e tudo. Aí, grande Grilo... parecia gente fina, deitando de terno com as mãos no peito. Você sabe que tem nego, que nem eu e Grilo, que foi viver lá no estrangeiro? Tem casa e tudo. Aqui é foda.
— O Brasil é ótimo. Não fala mal de nosso país, não. Falta é luta!
— Que nada tia, que papo furado! Meu velho era metido a ser todo certinho. Falava um monte de besteira. Dizia que trabalhar era bom, lutar, mas, não conseguia arrumar trabalho. Só vivia parado. Todo dia saia cedo. Chegava tarde da noite, nem batalha, nem dinheiro, nada. Eu, minha mãe, e os moleques no maior miserê. Um dia sumiu; aí, se arrancou. Minha mãe ficou procurando um tempão... nunca mais. Antes de roubar era a maior miséria, fome, morou? Barraco sujo de montão. Dei jeito, ta sabendo! O Brasil nunca me deu nada, ta sabendo! Tem lugar lá na favela que você tem que pedir licença aos ratos para passar. Cadê o Brasil?
Ninguém adianta o lado de ninguém. Outro dia, a Marilda levou o filho num médico na cidade. Juntou dinheiro e tudo pra pagar um particular. Chegou lá o preço já tinha aumentado, não quiseram nem saber. Marilda voltou e teve que se virar com o postinho daqui. Tinham que prender o dono do lugar, é ou não é? moleque quase passou dessa para a outra, mas escapou.
— Não é ótimo, mas salvou a vida do garoto.
— Cagada do moleque, aquele troço só vive lotado.
CONTINUA NA PROXIMA QUINTA-FEIRA

domingo, 15 de fevereiro de 2009

VEM AÍ "MÃOS AO ATO" de Carlos Pinheiro

CIDADANIA, VIOLÊNCIA E SOBREVIVÊNCIA NUA, essa é a discussão que Marly levanta. Surpresa e um final inusitado, esperam você, nesse novo texto do Pinheiro. TERÇA FEIRA. Não percam!!!!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

BEIJAMIM NO AQUECIMENTO - SÁBADO ENSAIO GERAL

É NO ESTACIONAMENTO DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT - EM FRENTE AO IATE CLUBE DO RJ. 14:00, (NA FOTO) VIVI A PORTA BANDEIRA SENSAÇÃO VOLTA EM 2009 SEGURANDO O PENDÃO DO BEIJAMIM

O BEIJAMIM VAI SACUDIR A URCA

NESTE SÁBADO DIA 14 NO ESTACIONAMENTO DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT, O BLOCO, BEIJAMIM NO ESCURO, FAZ SEU ENSAIO GERAL. BATERIA, CAVAQUINHO, E NOSSOS INTÉRPRETES ESTARÃO PASSANDO O SAMBA, JUNTO COM A GALERA TODA. TE ESPERO LÁ. FORTE ABRAÇO.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

O MELHOR DE WOODSTOCK II - JOE COCKER

O MELHOR DE WOODSTOCK I - JIMI HENDRIX

OBRIGADO PELO CARINHO E LEITURA

Pessoal, Ao findar esses dois contos, quero agradecer o interesse de todos, traduzido no aumento das visitas nos dias de postagens de capítulos novos. Isso me deu coragem para postar em capitulos menores dois livros. Um deles é "MAÕS AO ATO", uma abordagem carioca, bem humorada e algumas vezes dramática da cidade do Rio, e dos cariocas. O outro é " ONDE ESTÁ MINHA GERAÇÃO ", uma lembrança sofrida e íntima dos tempos de chumbo. Vamos dar o start inicial ainda em fevereiro. Até lá retornaremos as musicas e a cultura em geral
obrigado, Forte abraço a todos
Carlos Pinheiro.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

UM DIA PARA FICAR NA CAMA - PARTE FINAL

Alguém trouxe um short de salva-vidas e uma camiseta, e depois de colocar as roupas molhadas numa sacola montei no triciclo...
Em menos de meia hora percorremos o restante de barracas até o Posto VI, onde a chuva incumbiu-se de mandar as mães e crianças para casa. Caminhei até o primeiro quiosque que vi, e me deixei cair numa das cadeiras.
O telefone tocou novamente, era minha esposa. Disse-me que haviam ligado do trabalho me procurando, e que se, por acaso, não aparecesse ainda hoje, amanhã poderia ir direto ao departamento pessoal.
— Mas eles ao menos perguntaram por que não fui?
— Disseram que você estava na praia e ainda por cima destratou a secretária do chefe.
— Mas será que eles não escutam rádio?... Não vêem televisão?.... Eu estava tentando salvar uma criança que foi atropelada e ainda quase morri...
— Então é você? Não acredito! O louco que está percorrendo toda a cidade dizendo que mataram uma criança atropelada... E estão tentando esconder o corpo...
— Como é que é?
— Sabe de uma coisa? Chega!!!!! Não agüento mais suas loucuras. Você para arrumar um outro trabalho para ajudar em casa, não tem a menor disposição. Mas, para se meter na vida dos outros, não espera nada.....
— A história esta toda errada... Não é nada disso, talvez você, se me deixar explicar sinta até orgulho de mim.
— Não, chega... Sabe... Acho melhor não... Não vai adiantar... Quando acabar sua loucura passa em casa e pega suas coisas. Eu estou me separando de você, vai ser melhor para os dois. Ah! Chega... Chega...
— Alô... alô....... e o DVD, o som, os travesseiros que compramos juntos...
... Bem, agora está tudo certo... Acabei de perder a mulher... O emprego...Preciso morrer imediatamente.... baixei a cabeça sobre a mesa...
— O que é isso, onde estou? Que lugar é esse, todo mundo de branco, meu Deus será que morri mesmo? Há quanto tempo estou aqui?
— Calma, amigo, você está num hospital, teve uma insolação forte, desmaiou, chamaram a ambulância e o trouxemos...
— Mas cadê minha pasta, minha roupa?....
— Está guardado, não se preocupe.



Aos poucos fui me ambientando, percebi que estava no soro. Havia macas por todos os lados, todas com gente, acompanhantes falando, enfermos gemendo, uma movimentação frenética. Sentia um cansaço enorme. Eu fora início, meio e fim da minha própria história, não podia culpar ninguém, sequer a secretária. Talvez devesse estar agradecido, pois, uma daquelas balas poderia ter me atingido e não teria a menor chance de ser demitido pelo chefe e por minha esposa...
Quanto tempo ficarei aqui?... Quando poderei ir embora tomar um banho? — Pensei, apoiei-me e levantei a cabeça...
Meu Deus, não é possível, estou vendo coisas... Olha lá, a mulher com as crianças, minha cabeça tonteou...., ela esta indo embora....
— Espera... Espera..... Levantei-me da maca, o soro soltou-se, as pessoas ao redor arregalaram os olhos com minha figura e fúria. Não poderia deixar escapar, merecia saber o que houve, se era, ela mesmo, ali na minha frente. E era...
— Parem essa mulher, gritei.
— Segurança... Segurança... Alguém gritou... Mas, era para mim.
A mulher parou assustada... Virou-se, pude ver com toda clareza do mundo que era ela e com as crianças. Uma delas tinha uma bandagem em torno das costelas.Um casal que à frente, retornou e olhou-me espantado... Aos poucos suas feições transformaram-se em outra coisa que não pude identificar. Resolvi não esperar e antecipei-me, jogando-me aos pés do menino... Os seguranças já me cercavam.
— Você está bem?
— Xi!!! Olha aquele moço da praia... Mãe, Pai. Foi esse moço aqui!
— O que aconteceu? — Perguntei
— Houve uma fissura na quarta costela e achamos por bem engessar para acelerar a recuperação, disse o homem que os acompanhava.
E o senhor? Como está? Perguntou-me o pai. Soubemos de toda sua saga e gostaríamos de recompensar...
Sorri...
Fez-se silêncio, todos estavam parados naquele salão. Levantei-me, dei um último olhar para o garoto e deitei-me em minha maca com os olhos voltados para a parede.

FIM.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

UM DIA PARA FICAR NA CAMA - PARTE II

Pou... pou... mais tiros. Todo mundo se jogando no chão. Vultos armados passaram por mim, virou corre-corre agora cada um para um lado. Os policiais protegiam-se atrás do camburão e trocavam tiros com os marginais... O tiroteio intenso durou mais ou menos uns eternos três minutos, depois foram distanciando-se cada vez mais... Até sumirem. Continuei imóvel, não sentia só medo, era a situação toda... E se os garotos estivessem mortos?... Eu fora o culpado de arrastá-los até ali. Não, mas aí não, meu amigo, ah! Peraí, aí já é culpa demais para um cristão só, não é não? Vou me arrancar de fininho e dar linha à pipa, não vou ficar aqui pra contar história nenhuma para a polícia. E o salva-vidas?... Esse vai me matar com as próprias mãos. Comecei a escutar barulho de gente se aproximando... O zum, zum, zum, ia aumentando a cada momento, logo vieram os primeiros gritos e alguém mexendo em mim...
— O senhor está ferido?.... Fala... O senhor está bem? — Pessoal, tem um vivo aqui, Olha.... — disse com ar de sincera satisfação o jovem.
Olhei em volta e o policial que tanto me ajudara e o salva-vidas que não me entendera em nada, agora estavam absolutamente iguais... Olhei em volta e enchi-me de alegria. Naquele momento era alegria, pois, não havia nem crianças nem mulher na areia, nenhum deles... Mas os bombeiros estavam carregando alguém... Quem seria?... Saí correndo feito um louco gritando para esperarem... Minha voz ressecada mal conseguia grunhir... Mas, eu corria desesperado... Seria ela? Será que minha alegria iria durar tão pouco?... Não... Não, e as crianças? Já teriam sido retiradas pelos bombeiros!
— Perái! Bombeiro, deixa eu ver!
Pararam a maca, arriaram-na no chão, e puxaram o lençol... Olhei, Baixei a vista e tornei a olhar. Fui desfalecendo, alguém apoiou-me e trouxeram água que jogaram sobre minha cabeça. Recobrei os sentidos, vagarosamente, e fiz sinal para que trouxessem mais água. Fui atendido, lavei o rosto, e continuei sentado no calçadão. Jamais esquecerei daquele buraco na testa daquele homem com os olhos esbugalhados para mim. Mas, não eram as minhas pessoas. Logo chegaram os jornalistas, câmeras, gravadores, microfones
— O que o Sr. fez para escapar?
— O Sr. consegue reconhecer os assassinos?
Aquilo me aturdia, os microfones esbarravam em meu rosto, eu não conseguia sair, me sentia um tomate dentro de um pedaço de pão...
PÁRA! Gritei, PÁRA, PORRA!
As pessoas ficaram paralisadas e foram vagarosamente abrindo caminho...
— Quero fazer uma declaração sobre o que aconteceu aqui.
Todos voltaram a se aglutinar.
—Isso tudo não começou com o assalto, ou sei lá o que tenha acontecido aqui, não foi nada disso, pessoal. O PM e o salva-vidas, que infelizmente estão mortos, estavam fazendo a escolta de uma mulher e duas crianças. Vou explicar: uma das crianças tinha sido atropelada, estava sem atendimento médico e estávamos justamente a levando para o hospital quando tudo aconteceu.
— Mas o que os bandidos tinham a ver com essas pessoas?...
— Estavam sendo raptadas? Perguntou outro...
— Não, não tinha ninguém sendo raptado. E quero aproveitar para pedir a todos que ao verem uma mulher com duas crianças pela mão com roupas de praia, a detenham e procurem imediatamente um hospital para examinar um dos garotos. Como os senhores não saberão qual deles, por favor, mande o médico examinar os dois meninos. É muito importante. Pessoal, houve uma tragédia aqui, e poderá haver outra se aquela criança não for atendida imediatamente...
— Sim, mas o que o senhor é da criança?
— Nada. Ia para o trabalho e vi o atropelamento.
— O Sr. sabe o nome dos meninos?
— ... E da mulher?....
— Não, não sei...
Alguém me perguntou onde eu morava... respondi, e saí andando. Logo apareceu alguém que disse ter presenciado o tiroteio e a imprensa correu a procura de mais detalhes.
Estava exausto, com sede e fome, já passava do meio dia. Caminhei pelo calçadão, sem destino, pensando em tudo que havia acontecido. Sentei num quiosque onde um rádio rangia sem pretensões.
— Me dá um cachorro quente e uma cerveja. Meu rosto ardia, tinha queimado sem perceber e me arranhado quando joguei-me na areia. Tirei a gravata e abri a camisa. ...Para onde foram? Como conseguiram sair dali no meio do tiroteio? Estariam almoçando? Foram para outra praia? E eu ali, talvez perca o emprego, a mulher... Quase morri. Vi duas pessoas serem estupidamente assassinadas. Suas famílias... espôsas, mães, filhos, pais... e pensar que eu só queria ver o mar...
Soprava agora um vento maravilhoso, morno, mas um vento. Cochilei...
— Atenção: o Salvamar, através de várias emissoras, está tentando localizar o homem que esta manhã fez um apelo a nossas autoridades que detivessem mulheres que estivessem com duas crianças, sendo que uma delas teria sido atropelada. O Salvamar informa que do Posto 0 ao Posto 6, várias suspeitas estão detidas para reconhecimento e pedimos ao senhor que fez as denuncias se estiver me ouvindo que venha imediatamente fazer o reconhecimento dessas mulheres. — Rosnava o ressuscitado rádio....
Levantei-me entorpecido pelo sono, paguei e saí em direção ao Posto 0... acho, que estava querendo que tudo aquilo tivesse acabado naquela hora.... Mas como poderia deixar de ir?
Fiz sinal para o primeiro táxi que não me deu nenhuma atenção, nem o segundo. O terceiro, um modelo mais velho, parou.
— Por favor, vamos rápido para o Leme.
— Xi! O senhor viu? Tá o maior quiprocó lá...
— Por que?
— Tem um monte de mulher presa lá... dizem, que uma delas queria matar o filho empurrando o garoto para debaixo de um carro.
— Pô, mas, não foi nada disso.
— Como é que o senhor sabe?...
— Eu estava lá, fui eu quem fez a denúncia...
— Sei... ahã, tudo bem...
— O que é que o senhor está pensando? Acha que eu estou mentindo?... Ainda bem que chegamos, fica com o troco.
— Sujeito mentiroso, pô!!!! (imaginei que o motorista estava dizendo)
Caminhei com a velocidade que meus músculos permitiam, apesar de querer voar... A confusão era grande, fui pedindo licença e abrindo caminho...
— Salva-vidas... Salva-vidas, fui eu quem fiz a denúncia e estou aqui para fazer o reconhecimento...
Antes de chegar ao salva-vidas, olhei as mulheres que estavam com crianças ao redor da barraca “as suspeitas”, e nenhuma delas era quem eu procurava, mas tinha que fazer um teatro, ou o salva-vidas, comigo junto, seríamos linchados. O barulho era grande, pedi para que todas ficassem em fila indiana segurando as crianças. Logo escutei:
— Isso é uma tremenda palhaçada...
Fingi que não ouvi e fui passando de uma em uma. Olhava-as nos olhos, em seguida fixava-me nas crianças. Escutei novamente um burburinho e voltei-me rapidamente com olhar grave. Para minha surpresa, houve silêncio! Chamei o guarda vidas:
— Jovem, pode dispensar a todas, não é nenhuma delas.
— Pessoal esta todo mundo dispensado,... Podem ir embora, todos...
A horda então irrompeu sobre nós....
— Seus incompetentes... fazendo a gente esperar aqui nesse sol danado, para nada. Vocês acham que alguém que está raptando criança, vai ficar dando mole aqui... acha? Já se mandou há muito tempo....
— Peraí, minha senhora ninguém falou isso. Não se trata de rapto, mas sim de negação de soc....
— E se o Sr. é o pai devia cuidar melhor de seus filhos ... e saber com quem o senhor os deixa né.... Dá licença, tá!
Uuuuuuuu... o amontoado apupava eu o salva- vidas..... E aquela mulher saía como heroína... E tinha razão....
— Senhor... senhor... tem mais gente detida nos outros postos e o senhor deve ir para lá imediatamente.
— Ok! Ok! Mas como eu vou? Não tenho mais dinheiro...
— O Sr. irá na carona de nosso quadricículo, é só montar...
Saí me equilibrando naquele pequeno cavalinho motorizado pela areia, as pessoas me olhavam... Em menos de cinco minutos chegamos ao Posto I e o ritual se repetiu sem que nenhuma das mulheres sequer parecesse com quem procurava. Já íamos partir quando o salva-vidas recebeu pelo rádio a mensagem que uma pequena multidão vinha agora pela areia para nos encontrar ou interceptar, não sabiam explicar. Imediatamente pensei em linchamento e minha primeira reação foi subir na motoneta, ou, seja lá como se chama aquilo, e dar o fora. Já podia ver cabeças se movimentando, me parecia mais de cem... Duzentas... Não sei... Talvez milhares... Todos querendo me esgoelar... De repente todo aquele medo, pavor, pânico, desapareceu. Não tinha mais nada, não sentia agora o menor receio de encarar frente a frente aquelas pessoas, fizera tudo certo e morreria, se fosse o caso, com dignidade. Abri os braços e fixei meu olhar em um negão que vinha à frente do grupo, que não passava de umas 15 pessoas. O homem aparentava quarenta e cinco anos, dois metros, cabelos crespos agrisalhados, sulcos bem marcados na face e semblante crispado. Preparei-me para o pior, não abri mão, entretanto, de olhá-lo bem no centro dos olhos. O homem parou diante de mim, o suor escorria pelo meu rosto e pelo dele também. Ele foi levantando os braços, eu inerte, acompanhei o movimento e vi que virara também seu rosto pra cima e agora fitava o sol. Em seguida caiu de joelhos e com os braços estendidos, perguntou-me: Por que demoraste tanto? Estou pronto a te seguir e salvar as crianças, elas precisam de ti e te ajudaremos nesta missão...
O que alguém faria na minha situação? Pensei... Acho que vou dizer que sou o Mestre ... Mas, Serão todos loucos? E se não forem? Vão achar que eu é que sou louco. Mas, tenho que sair disso. O homem aguardava com os olhos fixos em mim, assim como todos que estavam atrás dele...
— “Filhos, (arrisquei) quero que saibam uma coisa, apenas uma coisa, disse vagarosamente: Nunca façam o bem pensando em vantagens. De onde vim – Nessa hora o negão fitou-me com doce olhar — percebi que no momento, seria a melhor forma, e continuei.... — ..."As trombetas tocavam sem cessar e, através das nuvens, pude ver o que realmente acontecia”.... O negão jogou novamente as mãos pra cima.
Eu teria que ajeitar a história, pois estava ficando irreversível. — Comecei. —— Mas, meus amigos... ( “Meus irmãos” ) Pude perceber o negão me corrigindo— O que me faz ser forte, é a natureza. É esse sol inclemente. A água do mar. O vento quente que pode até nos dar insolação... Nessa hora ronca uma apocalíptica trovoada e começa a cair um dilúvio! Não podia perder aquele momento....Gritei...” Vão todos em paz para casa meus filhos – cuidem das crianças, não abandonem as criancinhas... ( me lembrei do Pelé ) As pessoas começaram a sair.... Caminhei em direção ao mar, só quem estava parado era o negão.... eu virei e mandei: Vai meu filho, vai em paz — ele relutava, ia e voltava... ia e voltava... então gritei novamente: Vá .... irmão.... vá..... estava ensopado.... e ele foi. Fiquei absorvendo toda aquela água olhando para o mar, não podia arredar pé. A chuva aos poucos foi passando e o sol voltava a brilhar. Eu, ensopado de pasta na mão.... olhei para os céus e gritei: Que minha roupa seque imediatamente – Não secou - .
...Continua, quinta-feira...

domingo, 1 de fevereiro de 2009

CONTO: UM DIA PARA FICAR NA CAMA - Carlos Pinheiro

PARTE I

Finalmente conseguia botar o pé na rua, depois de uma noite com insônia, briga com a mulher, um emprego que não me agradava, uma insatisfação geral em minha vida. Mas o dia era lindo, um azul bebê com nuvens brancas, suave, um sol dos tempos não mídia da ante-poluição, ante aquecimento, ante... Um sol acima de qualquer catástrofe eminente... sem pensamentos ruins, salário, sogra, mulher... Sei lá, mas, momentos arrebatadores como esse, fazem ressurgir uma pequena chama de força que reside na gente e que só sai em circunstancias muito críticas ou especiais, e esse era o caso.
Flutuando, fui em direção ao sinal e reparei uma jovem que aparentava 30 anos, gestos largos, dois meninos, ambos com cerca de 13 anos; que conversavam, e ela, se metia com risadas estridentes, segurava as mãos dos meninos nervosamente, embora aquilo não parecesse incomodá-los. Meneava a cabeça ajeitando os cabelos que o vento tirava a todo instante do lugar. Aquela imagem me irritava, achei-a meio louca, era muito cedo para já estar “chapada”. Parecia mesmo descompensada, com os meninos pela mão, gesticulando, isso não combinava com o dia... Sei lá?!... Acabei achando que era mau humor meu, implicância gratuita e resolvi olhar uns livros que estavam expostos na calçada, desses sebos de rua. Troquei algumas palavras com o vendedor e continuei em direção ao ponto de ônibus, que ainda ficava na outra esquina, atravessei e, em vez de parar, passei por ele em direção à outra esquina, onde poderia ver a praia. Precisava ver o mar. Pensei! Essa atitude, sou eu, minha cara. Criança, quando as coisas estavam muito difíceis. Notas baixas, amores acabados, bronca de pai, vontade de fugir, o mar, era o meu melhor aconselhador, amigo e leal confidente. Cresci com essa parceria e vou continuar. Agora, ele continuava lá, impecável, azul, radiante, as ondas ao estourar faziam o babado mais branco e delicado daquela colcha mágica que cobria a terra, não eram grandes e quebravam com paciência para que os olhos humanos acompanhassem e se deliciassem com aquele movimento. Minha atenção foi desviada pelo que parecia ter sido um acidente, um motociclista acabara de atropelar um garoto que agora já se levantava. Apertei o passo e aproximei-me... Puta merda, era a mulher idiota, que acabara de deixar aquele menino ser atropelado... O condutor da moto perguntava ao jovem como se sentia, ao que o garoto respondeu que estava um pouco tonto, mas que logo passaria. A mulher idiota o limpava, pois ficara ligeiramente sujo ao cair ao chão, dizia que aquilo não era nada e logo estaria bem. Aquela atitude me dava repulsa e procurei logo me afastar. Nessa hora já havia perdido a vontade de ver o mar e voltava aborrecido para o ponto de ônibus, iria finalmente para o trabalho, puto, desgostoso, sensação de mal estar... matutava o que acabara de presenciar. Que mulher filha da puta... e se aquele menino bateu com a cabeça e começa a passar mal, vai entrar em coma, aquela mulher não vai falar nada a ninguém, e talvez consiga o silêncio do outro garoto através de ameaças. Quando os pais souberem de alguma coisa, pode ser tarde demais. Se amanhã, de alguma forma, eu souber que essa criança veio a falecer, terei parte da culpa, porque vi e não fiz nada....Que merda!!!.... Estava bom demais ... Tinha que ter suspeitado que alguma coisa ia acontecer ... e esse ônibus que não vem....que merda.......minha cabeça dava voltas, minha pressão poderia estar subindo, agora só falta essa... um enfarte porque me omiti de prestar salvamento a uma criança que estava nas mãos de uma louca...besteira essa falta de ar, mãos suadas e dor na nuca nada mais é do que nervoso, estresse, mas... e, se eu tiver um enfarte fulminante ninguém vai ficar sabendo que tentei salvar aquela criança... e nada fiz, apenas porque tinha que ir trabalhar, e que não sou covarde...
Quer saber de uma coisa ? Vou voltar lá, vou lá... que se fôda o trabalho.. depois eu explico.. eu é que não vou ficar com esse negócio na consciência....se quiser me mandar embora, que mande, fôda-se... tenho filho, sei o que é isso. Se tá todo mundo banalizando as coisas, eu não, pelo menos algumas coisas não, e essa é uma delas... Vou voltar.
Cheguei ainda a tempo de ver a louca caminhando na areia e escolhendo um lugar para ficar. É agora! Vou chamar o salva- vidas para levarmos a criança ao hospital e fazermos os exames necessários, todas as verificações para constatar que não houve traumatismo craniano, ou quebra de ossos, ... etc.
Que sorte, vem um salva-vidas ali.
— Oi amigo, tudo bem? Por favor – e fui me aproximando do jovem que pareceu um pouco enfastiado com minha interpelação... ao chegar mais perto, apenas olhou-me.
— Sabe o que é... ali, — apontei em direção da mulher —
Tem um garoto que acabou de ser atropelado, mas saiu andando, entendeu, é uma criança, e nesse momento pode estar morrendo, entendeu? Se aquela criança bateu com a cabeça no asfalto, ela está morta, você esta entendendo, nós precisamos ir lá, agora, e levá-la imediatamente para o hospital.
O jovem olhava-me fixamente, meio incrédulo...
— Vamos lá! Não temos tempo a perder, daqui a pouco pode ser muito tarde... insisti.
— Peraí, meu chefe, o senhor quer que eu saia daqui, pegue uma criança que está acompanhada por um responsável e leve para o hospital?...
— É exatamente isso meu amigo... Exatamente isso, aquela mulher que você está vendo é completamente louca..... e, aquela criança pode estar morrendo.... Entendeu!? ...morrendo, e você é uma autoridade policial, não se esqueça disso, eu enquanto cidadão, estou fazendo uma denúncia grave ao senhor, e exijo que alguma providência seja tomada. Por favor!!!!! — Estava exaltado, gritando...
— Chefe, deixa eu explicar: Minha função é aqui na praia, tenho que salvar vidas, tenho que procurar crianças perdidas, se saio daqui e alguém se afoga, quem é que vai responder por isso? Quem vai dar conta? É o senhor?
— Então meu amigo, passa um rádio para um colega teu vir pra cá, porque o senhor tem que sair para prestar socorro a alguém.
— Não posso fazer isso, o rádio está com defeito e não vou sair daqui de jeito nenhum. Tá sabendo, eu já estou perdendo a paciência com o senhor... faça o favor de sair varado daqui antes que eu perca a cabeça....
— Eu vou me afastar realmente, porque estou me sentindo ameaçado... mas, olha só:... O que você imagina que alguém de terno, neste calor, de sapato e meia está fazendo aqui, se não for alguma coisa muito séria? Dá pra raciocinar um pouco?...
— Pó, aí, tem maluco pra tudo, chefe.
— Muito obrigado, volto já.
Quando dei as costas para o salva-vidas, juro que minha vontade era voltar ao ponto de ônibus e ir embora para o meu trabalho, que nesse momento me pareceu acolhedor. Olhei em direção à mulher e vi que havia apenas uma das crianças brincando. Bem... poderia estar na água. Cheguei ao calçadão, suado, cansado, sapatos sujos de areia, pasta suada pela mão. Pra ser sincero, o sentimento que tive, foi de missão cumprida — Não deu, porque não tinha que dar mesmo, que eu posso fazer?
Olha! Um camburão... Bem que eu podia...
— Ei!... ei! policial! Policial! Espera... Espera, um pouco, por favor...
A caminhonete parou um pouco a frente, o policial saltou do carro enquanto os outros três ficaram atentos esperando o que eu queria.
— Policial, é o seguinte: Acabo de presenciar uma omissão de socorro grave — Da forma que foi, poderia dizer, beira a um homicídio. Um garoto, que é menor, foi atropelado por uma motocicleta, que apesar de ter parado para prestar socorro, foi dispensado pela pessoa que estava com o menino. Pois bem, essa criança chegou a dizer à sua acompanhante que se sentia tonto, mas ela disse-lhe que logo ficaria bom, foram suas únicas palavras. O motociclista, ora, botou o pé na estrada e foi embora. Vi isso, policial, só que se esse menino bateu com a cabeça no asfalto, daqui a pouco estará morto, entende?
— Isso aconteceu há quanto tempo?
— Tem uns trinta minutos
— O senhor procurou ajuda?
— Sim, procurei com o salva-vidas daqui da praia. Disse-lhe exatamente o que falei com o senhor. “Precisamos levar imediatamente essa criança a um hospital”. Ele disse que não poderia ajudar, que seu negócio era tomar conta da praia, olhar criança e pronto... No fundo ele achou que eu sou uma pessoa meio doida... Entendeu?...
— Vamos lá, quero falar com esse cara.
— Policial... O senhor acha isso, uma boa idéia, não é melhor irmos direto ver a criança?
Não, não senhor, que é isso? Custa nada não, vamos lá, pode ficar tranqüilo, é uma palavrinha rápida.
Fiquei mais tranqüilo. Moro ali e o cara é forte, não é bom arriscar, não preciso de novos inimigos nessa altura do meu campeonato. Mas, estava coerente com que havia me proposto: eu vi um atropelamento, deixei de ir trabalhar para tratar aquela situação, não tinha sentido, ter ido embora de jeito nenhum. Estaria me remoendo e me sentindo mal se o fizesse. A temperatura passava dos 30º e começa a transpirar sob o paletó, havia suspendido as pernas da calça e afrouxado a gravata. O policial, um pouco acima de seu peso, transpirava, era calvo e via-se brotar de sua pele o suor que já lhe escorria pelo rosto, a camisa já revelava a força do calor grudando em seu ombro. Seu semblante era pesaroso. Quando o jovem salva-vidas percebeu nossa presença, reconheceu-me, virou de lado, certamente para começar a xingar da minha tataravó em diante. Mas virou-se mostrando autoridade.
— Pois não, disse com cara de poucos amigos...
— O policial pegou-lhe pela camiseta, apertando-lhe o pescoço, e jogou-o no chão, sem falar uma palavra. Em seguida, bateu-lhe na cara, mas não eram socos e sim tapas contínuos, tapas, mais tapas, sob meu olhar estupefato. Tentei ainda pronunciar uma frase do tipo – calma gente, calma gente – mas desisti quando aos primeiros ruídos, o policial me olhou.
— Pára pô, implorava o rapaz.
— Aqui, o palhaço, quando tu me ver chegando, baixa a cabeça... Seu merda... cheirador de pó do caralho... Porque tu não atendeu o moço aqui, o palhaço, me fez vir até aqui, nesse sol do inferno, pra fazer o teu serviço seu cocô, toma porrada na cara...
Nesse momento comecei a pensar para que bairro me mudaria.
O policial saiu de cima do salva-vidas, ambos estavam completamente cheios de areia, o jovem por duas vezes incinerou-me com seu olhar, mas as coisas estavam dadas, fugiu ao meu controle, agora era segurar a onda e fazer o que devia.
— Policial, a mulher é aquela ali. Só estou vendo uma das crianças, a que foi atropelada não está lá.

E fomos nos aproximando, ao chegar mais perto, vi o menino deitado. Fui me aproximando e a mulher começou a olhar-me, inicialmente sorria, depois amarrou a cara, ficou meio assustada, viu o policial, o salva-vidas, mostrou-se intrigada. Cheguei perto e disse:
— Vi perfeitamente a senhora não prestar socorro a essa criança depois de ter sido atropelado por uma motocicleta.
— Que nada moço, foi esbarrãozinho de nada e o menino tá aí... bonzinho...
— Tá vendo, policial?...essa moça não tem noção nem do que está falando... quanto mais para decidir se esse menino está bem ou não... continuei...
— Garoto, você foi atropelado pela motocicleta, não foi?
O garoto assentiu com a cabeça sem levantá-la para nos encarar.
— Você falou que estava sentindo tontura, eu ouvi... e agora como você está se sentindo?... a tontura continua?...
— Só tá doendo um pouco aqui -—
E passou a mão pela lateral da barriga....
— Policial, esse menino deve estar com as costelas quebradas e pode a qualquer momento perfurar um de seus órgãos, inclusive os vitais e morrer agora mesmo....
— O senhor é medico, é ? — perguntou-me a acompanhante do garoto.
— Não senhora, não sou, mas não sou cego
— Então, como é que o senhor tá falando esse monte de coisa aí, o senhor parece é maluco, isso sim... Vamos sair daqui, vamos meninos, vamos pra outro lugar da praia... esse moço tá procurando é confusão comigo, e eu quero é pegar meu sol sossegada...
A mulher havia levantado e segurando os garotos pela mão, começava a sair andando pela areia... Fui atrás, falando.
— Não, a senhora não vai embora agora não. A senhora vai é para um hospital comigo — Vamos policial, me ajude aqui por favor. Segurava firme na mão da moça que segurava também as crianças e que tentava desvencilhar-se da minha. Produzimos uma balé louco de vais e vens na areia... O guarda vida, com as mãos na cintura, apenas olhava. O policial intervindo, carregava a moça, tirando-a do chão, enquanto eu conduzia as crianças, sempre falando para o atropelado que estava tudo bem. Ao percebê-lo meio assustado disse-lhe que era do governo e buscava pessoas que foram atropelados na cidade para levá-las para fazer exames. Esse era meu trabalho....
— Eu não vou para hospital nenhum não senhor... me deixa... - voltou a falar a mulher.
— Policial, vamos em sua viatura para facilitar o transporte.
Finalmente vencíamos a areia escaldante. Apesar de tudo sentia-me melhor agora, cumprindo o que estava disposto a fazer e logo estaria livre. O celular tocou... era do meu trabalho...ajeitei as crianças e atendi.
— Alô...
— Pedro, o chefe quer saber se você vem hoje?
— Claro que vou, dona Mirtes
— Você está aonde?
— Na praia...
— Na praia, Pedro????????? — gritou a desgraçada.
— É, sua piranha, na praia.
— Seu Pedro, por favor, pare de me xingar...
— Vai pro diabo que te carregue... Mocréia.....
Guardei o telefone aliviado. Mas aliviado ainda estava ao ver o calçadão agora à menos de cinco metros...
Pou...pou...pou.... tiroteio...
— Pega... pega ladrão....
...Continua na próxima Terça-feira.