Site Meter CASA DAS IDEIAS: UM DIA PARA FICAR NA CAMA - PARTE II

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

UM DIA PARA FICAR NA CAMA - PARTE II

Pou... pou... mais tiros. Todo mundo se jogando no chão. Vultos armados passaram por mim, virou corre-corre agora cada um para um lado. Os policiais protegiam-se atrás do camburão e trocavam tiros com os marginais... O tiroteio intenso durou mais ou menos uns eternos três minutos, depois foram distanciando-se cada vez mais... Até sumirem. Continuei imóvel, não sentia só medo, era a situação toda... E se os garotos estivessem mortos?... Eu fora o culpado de arrastá-los até ali. Não, mas aí não, meu amigo, ah! Peraí, aí já é culpa demais para um cristão só, não é não? Vou me arrancar de fininho e dar linha à pipa, não vou ficar aqui pra contar história nenhuma para a polícia. E o salva-vidas?... Esse vai me matar com as próprias mãos. Comecei a escutar barulho de gente se aproximando... O zum, zum, zum, ia aumentando a cada momento, logo vieram os primeiros gritos e alguém mexendo em mim...
— O senhor está ferido?.... Fala... O senhor está bem? — Pessoal, tem um vivo aqui, Olha.... — disse com ar de sincera satisfação o jovem.
Olhei em volta e o policial que tanto me ajudara e o salva-vidas que não me entendera em nada, agora estavam absolutamente iguais... Olhei em volta e enchi-me de alegria. Naquele momento era alegria, pois, não havia nem crianças nem mulher na areia, nenhum deles... Mas os bombeiros estavam carregando alguém... Quem seria?... Saí correndo feito um louco gritando para esperarem... Minha voz ressecada mal conseguia grunhir... Mas, eu corria desesperado... Seria ela? Será que minha alegria iria durar tão pouco?... Não... Não, e as crianças? Já teriam sido retiradas pelos bombeiros!
— Perái! Bombeiro, deixa eu ver!
Pararam a maca, arriaram-na no chão, e puxaram o lençol... Olhei, Baixei a vista e tornei a olhar. Fui desfalecendo, alguém apoiou-me e trouxeram água que jogaram sobre minha cabeça. Recobrei os sentidos, vagarosamente, e fiz sinal para que trouxessem mais água. Fui atendido, lavei o rosto, e continuei sentado no calçadão. Jamais esquecerei daquele buraco na testa daquele homem com os olhos esbugalhados para mim. Mas, não eram as minhas pessoas. Logo chegaram os jornalistas, câmeras, gravadores, microfones
— O que o Sr. fez para escapar?
— O Sr. consegue reconhecer os assassinos?
Aquilo me aturdia, os microfones esbarravam em meu rosto, eu não conseguia sair, me sentia um tomate dentro de um pedaço de pão...
PÁRA! Gritei, PÁRA, PORRA!
As pessoas ficaram paralisadas e foram vagarosamente abrindo caminho...
— Quero fazer uma declaração sobre o que aconteceu aqui.
Todos voltaram a se aglutinar.
—Isso tudo não começou com o assalto, ou sei lá o que tenha acontecido aqui, não foi nada disso, pessoal. O PM e o salva-vidas, que infelizmente estão mortos, estavam fazendo a escolta de uma mulher e duas crianças. Vou explicar: uma das crianças tinha sido atropelada, estava sem atendimento médico e estávamos justamente a levando para o hospital quando tudo aconteceu.
— Mas o que os bandidos tinham a ver com essas pessoas?...
— Estavam sendo raptadas? Perguntou outro...
— Não, não tinha ninguém sendo raptado. E quero aproveitar para pedir a todos que ao verem uma mulher com duas crianças pela mão com roupas de praia, a detenham e procurem imediatamente um hospital para examinar um dos garotos. Como os senhores não saberão qual deles, por favor, mande o médico examinar os dois meninos. É muito importante. Pessoal, houve uma tragédia aqui, e poderá haver outra se aquela criança não for atendida imediatamente...
— Sim, mas o que o senhor é da criança?
— Nada. Ia para o trabalho e vi o atropelamento.
— O Sr. sabe o nome dos meninos?
— ... E da mulher?....
— Não, não sei...
Alguém me perguntou onde eu morava... respondi, e saí andando. Logo apareceu alguém que disse ter presenciado o tiroteio e a imprensa correu a procura de mais detalhes.
Estava exausto, com sede e fome, já passava do meio dia. Caminhei pelo calçadão, sem destino, pensando em tudo que havia acontecido. Sentei num quiosque onde um rádio rangia sem pretensões.
— Me dá um cachorro quente e uma cerveja. Meu rosto ardia, tinha queimado sem perceber e me arranhado quando joguei-me na areia. Tirei a gravata e abri a camisa. ...Para onde foram? Como conseguiram sair dali no meio do tiroteio? Estariam almoçando? Foram para outra praia? E eu ali, talvez perca o emprego, a mulher... Quase morri. Vi duas pessoas serem estupidamente assassinadas. Suas famílias... espôsas, mães, filhos, pais... e pensar que eu só queria ver o mar...
Soprava agora um vento maravilhoso, morno, mas um vento. Cochilei...
— Atenção: o Salvamar, através de várias emissoras, está tentando localizar o homem que esta manhã fez um apelo a nossas autoridades que detivessem mulheres que estivessem com duas crianças, sendo que uma delas teria sido atropelada. O Salvamar informa que do Posto 0 ao Posto 6, várias suspeitas estão detidas para reconhecimento e pedimos ao senhor que fez as denuncias se estiver me ouvindo que venha imediatamente fazer o reconhecimento dessas mulheres. — Rosnava o ressuscitado rádio....
Levantei-me entorpecido pelo sono, paguei e saí em direção ao Posto 0... acho, que estava querendo que tudo aquilo tivesse acabado naquela hora.... Mas como poderia deixar de ir?
Fiz sinal para o primeiro táxi que não me deu nenhuma atenção, nem o segundo. O terceiro, um modelo mais velho, parou.
— Por favor, vamos rápido para o Leme.
— Xi! O senhor viu? Tá o maior quiprocó lá...
— Por que?
— Tem um monte de mulher presa lá... dizem, que uma delas queria matar o filho empurrando o garoto para debaixo de um carro.
— Pô, mas, não foi nada disso.
— Como é que o senhor sabe?...
— Eu estava lá, fui eu quem fez a denúncia...
— Sei... ahã, tudo bem...
— O que é que o senhor está pensando? Acha que eu estou mentindo?... Ainda bem que chegamos, fica com o troco.
— Sujeito mentiroso, pô!!!! (imaginei que o motorista estava dizendo)
Caminhei com a velocidade que meus músculos permitiam, apesar de querer voar... A confusão era grande, fui pedindo licença e abrindo caminho...
— Salva-vidas... Salva-vidas, fui eu quem fiz a denúncia e estou aqui para fazer o reconhecimento...
Antes de chegar ao salva-vidas, olhei as mulheres que estavam com crianças ao redor da barraca “as suspeitas”, e nenhuma delas era quem eu procurava, mas tinha que fazer um teatro, ou o salva-vidas, comigo junto, seríamos linchados. O barulho era grande, pedi para que todas ficassem em fila indiana segurando as crianças. Logo escutei:
— Isso é uma tremenda palhaçada...
Fingi que não ouvi e fui passando de uma em uma. Olhava-as nos olhos, em seguida fixava-me nas crianças. Escutei novamente um burburinho e voltei-me rapidamente com olhar grave. Para minha surpresa, houve silêncio! Chamei o guarda vidas:
— Jovem, pode dispensar a todas, não é nenhuma delas.
— Pessoal esta todo mundo dispensado,... Podem ir embora, todos...
A horda então irrompeu sobre nós....
— Seus incompetentes... fazendo a gente esperar aqui nesse sol danado, para nada. Vocês acham que alguém que está raptando criança, vai ficar dando mole aqui... acha? Já se mandou há muito tempo....
— Peraí, minha senhora ninguém falou isso. Não se trata de rapto, mas sim de negação de soc....
— E se o Sr. é o pai devia cuidar melhor de seus filhos ... e saber com quem o senhor os deixa né.... Dá licença, tá!
Uuuuuuuu... o amontoado apupava eu o salva- vidas..... E aquela mulher saía como heroína... E tinha razão....
— Senhor... senhor... tem mais gente detida nos outros postos e o senhor deve ir para lá imediatamente.
— Ok! Ok! Mas como eu vou? Não tenho mais dinheiro...
— O Sr. irá na carona de nosso quadricículo, é só montar...
Saí me equilibrando naquele pequeno cavalinho motorizado pela areia, as pessoas me olhavam... Em menos de cinco minutos chegamos ao Posto I e o ritual se repetiu sem que nenhuma das mulheres sequer parecesse com quem procurava. Já íamos partir quando o salva-vidas recebeu pelo rádio a mensagem que uma pequena multidão vinha agora pela areia para nos encontrar ou interceptar, não sabiam explicar. Imediatamente pensei em linchamento e minha primeira reação foi subir na motoneta, ou, seja lá como se chama aquilo, e dar o fora. Já podia ver cabeças se movimentando, me parecia mais de cem... Duzentas... Não sei... Talvez milhares... Todos querendo me esgoelar... De repente todo aquele medo, pavor, pânico, desapareceu. Não tinha mais nada, não sentia agora o menor receio de encarar frente a frente aquelas pessoas, fizera tudo certo e morreria, se fosse o caso, com dignidade. Abri os braços e fixei meu olhar em um negão que vinha à frente do grupo, que não passava de umas 15 pessoas. O homem aparentava quarenta e cinco anos, dois metros, cabelos crespos agrisalhados, sulcos bem marcados na face e semblante crispado. Preparei-me para o pior, não abri mão, entretanto, de olhá-lo bem no centro dos olhos. O homem parou diante de mim, o suor escorria pelo meu rosto e pelo dele também. Ele foi levantando os braços, eu inerte, acompanhei o movimento e vi que virara também seu rosto pra cima e agora fitava o sol. Em seguida caiu de joelhos e com os braços estendidos, perguntou-me: Por que demoraste tanto? Estou pronto a te seguir e salvar as crianças, elas precisam de ti e te ajudaremos nesta missão...
O que alguém faria na minha situação? Pensei... Acho que vou dizer que sou o Mestre ... Mas, Serão todos loucos? E se não forem? Vão achar que eu é que sou louco. Mas, tenho que sair disso. O homem aguardava com os olhos fixos em mim, assim como todos que estavam atrás dele...
— “Filhos, (arrisquei) quero que saibam uma coisa, apenas uma coisa, disse vagarosamente: Nunca façam o bem pensando em vantagens. De onde vim – Nessa hora o negão fitou-me com doce olhar — percebi que no momento, seria a melhor forma, e continuei.... — ..."As trombetas tocavam sem cessar e, através das nuvens, pude ver o que realmente acontecia”.... O negão jogou novamente as mãos pra cima.
Eu teria que ajeitar a história, pois estava ficando irreversível. — Comecei. —— Mas, meus amigos... ( “Meus irmãos” ) Pude perceber o negão me corrigindo— O que me faz ser forte, é a natureza. É esse sol inclemente. A água do mar. O vento quente que pode até nos dar insolação... Nessa hora ronca uma apocalíptica trovoada e começa a cair um dilúvio! Não podia perder aquele momento....Gritei...” Vão todos em paz para casa meus filhos – cuidem das crianças, não abandonem as criancinhas... ( me lembrei do Pelé ) As pessoas começaram a sair.... Caminhei em direção ao mar, só quem estava parado era o negão.... eu virei e mandei: Vai meu filho, vai em paz — ele relutava, ia e voltava... ia e voltava... então gritei novamente: Vá .... irmão.... vá..... estava ensopado.... e ele foi. Fiquei absorvendo toda aquela água olhando para o mar, não podia arredar pé. A chuva aos poucos foi passando e o sol voltava a brilhar. Eu, ensopado de pasta na mão.... olhei para os céus e gritei: Que minha roupa seque imediatamente – Não secou - .
...Continua, quinta-feira...

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